"Não é Oriental o fascínio pela jogatina vaidosa na disputa das mais inseguras ilusões, sempre ameaçadas por solidões desgastantes, sempre vivendo ansiedades competitivas, vazias, ocas, e, por fim, descartáveis.
Não é Oriental essa encenação do gosto imediato pelo consumo das futilidades, de costume governado por fetiches. Esse teatro onde todos são meros objetos de todos. Onde os corpos são somente coisas, montes de carne retalhados, assustados, esfomeados e antropófagos, esses medrosos bonecos de carne. Isso não é nada Oriental.
Não vêm do Oriente essas imaturas necessidades de afirmação que são filhas do medo e da baixa estima. Esse espectáculo tragicómico, reprimido, carente e canibal, infantilizado e covarde, circo ridículo de engolidores de porra, beatos em suas devoções ao falo fedido do macho patriarcal, mundo superficial e farsesco, esse mundo das vidas exibidas nos açougues do mercado modelo das tortas avenidas da cidade gay.
Cidade em que predomina a vida virtual, desindividualização, com a vida real consumida numa fogueira de vaidades mascaradas. Cidade onde a imagem da vida consumida se mostra através de labirintos de espelhos fragmentados em mil cacos, no que ninguém se enxerga e todos vivem posturas, gestos e gostos programados, seduzidos pelo poder dos cacetes e, tantas vezes, ansiosos por duras cacetadas. Terra de escravos do desejo que sequer sabem ou sentem ao certo e com segurança o que desejam. Terra onde ninguém é alguém. E todos vivem posando de pobres coitados.
Cidade onde todos acordam e vão dormir sempre com a mesma fome que nunca conseguem saciar. Onde todos sempre procuram e jamais encontram o que procuram, porque, perdidos de si mesmos, não conseguem jamais sentir o que desejam encontrar e, os que encontram, descartam o que encontraram, viciados na procura eterna, vitimados por suas permanentes desatinações e infelicidades, com rancor da vida que sentem como que condenados a viver, enquanto macaqueiam suas risadinhas histéricas, mediadas por suas dissimulações.
Terra onde a história que se vive é uma história de desgastes, descartes e perdas. Onde tudo é sempre nada, porque é sempre o que vai embora e o que foi, sendo obra de identidades que anseiam se desconstruir, na medida de seus desagrados consigo mesmas. Nesse império de tanto auto-desagrado, jamais se busca uma realidade que enriqueça a realidade que se vive. Jamais se pretende um percurso de vida empenhado na valorização da existência pelo auto-conhecimento. E, assim sendo, tudo se torna mero circo promíscuo e tanático, onde energias se consomem, como se a existência se resumisse a ser um exibido e vulgar baile de máscaras. Terra onde tudo não passa de uma triste ânsia da morte do que acontece, pois nada se vive, senão o usufruto de uma vida virtual, em que sujeitos tornam-se objectos uns dos outros, em suas existências emocionais aprisionadas na infância e, quando além dessa infantilização, contidas numa insegura adolescência eterna.
Perversa cidade de acovardados e abandalhados peter-pans, que, invertidos na consciência de suas realidades, vivem o frisson de se imaginarem astutos. Império da noite eterna, onde poucos se salvam. E os que não se salvam permanecem cegos pela escuridão dessa noite, vagando de pica em pica ou de bunda em bunda, sempre desconstruindo suas histórias de vida, guiados por desgostos consigo mesmos, sempre morrendo ou matando a cada encontro, no triste e contínuo velório da cidade em que habitam.
Não é Oriental, esse império dos sentidos centrado na genitália e na analidade. Nada disso tem a ver com a elegância da harmonia do Tao, com a ordem criadora do Confucionismo, com a alegria revitalizadora do Xintô, com a tranquilidade do Budismo, muito menos com o prazer do Tantra hinduísta. E, se posturas, gestos, procedimentos semelhantes, hoje, tb, ocorrem na sociedade oriental, se dão como resultado da ocidentalização do Oriente, fruto da decadência dos mais significativos valores da história cultural das sociedades orientais.
Assim como essas posturas, gestos e procedimentos ocidentais são expressões de decadência dos mais iluminados valores da história cultural do Ocidente. (Vale observar que tais decadentismos culturais do consumismo dos corpos, no presente estágio histórico neo-liberal da economia das relações interpessoais, não acontecem de modo tão diverso na dita cidade hétero, ainda que seus habitantes adequados compartilhem do mando e do desmando do agitado e arrogante mercado falocrata do sexo, na grande Polis, todos os dias e todas as noites vagando tensos e acelerados de pica em vagina ou de vagina em pica, com todos os lugares de vivência, trabalho e lazer para eles, com o mundo inteiro para eles, assim, nos seus modos, despidos da necessidade agravante e desfeliz dos guetos que tanto deformam e oprimem ainda mais a vida conforme desvivida na cidade gay.)
Decadentismos que precisam ser superados, a favor da predominância de renovados valores significativos que tenham como norte criador o afeto, a felicidade, o prazer da vida viva nas relações interpessoais, no interior do ecossistema social do quotidiano planetário, sem nos importarmos com as semelhanças ou diferenças de raça, etnia, religião ou sexo, na liberdade de aproximação e união afetiva dos indivíduos. "